A confecção de um personagem infantil de olho no mercado consumidor

Imagem: Pixabay
Para além de depósitos e maquinários, gigantes do mercado tem em seus personagens registrados seus maiores patrimônios. De filmes e gibis a licenciamentos, Mickey Mouse e outros funcionam como verdadeiros mentores na introdução de jovens e crianças no mundo do consumo.

Eloy Zaidan*

Quando pensamos em produto, imaginamos artigos tangíveis. Entretanto, há diversas modalidades de produtos que não são necessariamente palpáveis. O brasileiro Maurício de Souza e norte-americano Walt Disney ergueram impérios com personagens fictícios infantis como produto. Tratam-se de propriedades intelectuais bastante rentáveis. Um personagem infantil pode ser vendido e consumido de diversas formas, o que inclui o licenciamento para outras empresas.

Para se tornar bem-sucedido, um personagem infantil deve ter a faculdade de se comunicar com as crianças. Para tal, também aqui, é preciso entender as fases da criança com vistas a criar um personagem (e fazer sucesso) compatível com o segmento de idade que se deseja abordar. Montigneaux aponta algumas dicas referentes aos recursos de comunicação, inerentes aos personagens, para se obter a adesão do público infantil.

- Até a puberdade: a criança pensa que as coisas a sua volta são dotadas de vida. Nesta fase, para atingir uma proximidade com a criança, são de boa valia as mascotes de aparência humana ou animais com antropomorfismo marcante.

- Até os seis anos: a mão do personagem deve ter quatro dedos.

- De três a seis anos: os personagens devem ter formas arredondadas (aspecto de bebê). As ilustrações não precisam ser muito complexas. Na realidade, o aspecto gráfico da criatura deve ter um número de cores limitadas e, na maior parte, chapadas.

- A partir dos seis anos: “estar na moda” faz o personagem valorizar-se perante o seu público. Aqui, a influência do grupo de amigos é definitiva.

- Dos oito a 12 anos: há uma nítida preferência por personagens hábeis, ágeis e graciosos. Os tipos mais brutos acabam ficando em segundo plano.

Para se comunicar com uma criança a partir dos nove anos o personagem deve estar em sintonia com a necessidade de transgressão de seu target. Aspectos de docilidade e civilidade são descartáveis nesse momento. O personagem deve ser, simultaneamente, criança (para que a criança se reconheça), e adulto (para que ela se projete). Para tal, recomenda-se que as mascotes devam ser um pouco mais velhas que as crianças a quem elas se destinam.

A criança sabe muito bem o que está na moda. Sua percepção é acentuada, sobretudo com a convivência entre amigos. O personagem deve ter alguma notoriedade para obter a adesão da criança. Os bonecos do canal por assinatura Cartoon Network tornaram-se uma mina em vendas de produtos licenciados. O sucesso de tais mascotes se deve, principalmente, a profusão da exposição durante a programação da emissora.

E quanto ao uso de animais para composição de personagens, como feito em demasia pelos estúdios Disney? Animais sensibilizam os mais jovens. Porém, se a opção for mesmo a da utilização de animais, estes devem possuir altas doses de antropomorfismo, ou seja, traços e características humanas. O clássico Mickey Mouse, por exemplo, possui trejeitos de um humano astuto, embora seja um camundongo. Margarida – namorada de Donald – pouco se assemelha a uma pata em suas atitudes. O antropomorfismo pede traços físicos humanos expressivos: rosto, olhar, gestos, piscada de olho, postura geral do corpo e posição das mãos.

Algumas características tornam um personagem mais atraente para as crianças. A mascote deve ser engraçada e simpática, lúdica, deve acompanhar fielmente a criança, e precisa ser dotada de uma dimensão mágica para a fuga do cotidiano (através de dotes físicos ou intelectuais).

No caso de um herói, seu comportamento deve ser previsível e imutável. A sua maneira de ser e de se comportar deve ser repetitiva. A repetição ajuda a tranquilizar a criança. Para constatar como a repetição é uma artimanha comunicativa válida, observe o roteiro singelo dos seriados de grupos de heróis, como Power Ranger, que embora não seja um desenho animado, tem como público-alvo os jovens consumidores de personagens animados.

O bandido é parte fundamental na construção do herói. Quanto mais cínico e cruel o bandido, mais o herói parece justo. O super-herói, aliás, para a criança, precisa possuir poderes mágicos e, ainda assim, fraquezas (por vezes medo, atitudes desastradas), que lhe concede humanidade, tornando-o simpático. Contudo, com ou sem fraqueza, o fato é que, em se tratando de tal modalidade de mascote, o personagem deve ser dono de um bom caráter inquestionável. O segredo do sucesso dos super-heróis está no potencial tranquilizador de sua bondade poderosa. Este é o tranquilizante que serve à criança em meio a estruturas familiares cada vez mais movediças.

Muitos super-heróis costumam evocar um processo para se converterem de pessoa normal a justiceiro (Clark Kent entra em uma cabine telefônica e sai transformado em Super-Homem). O processo de transformação do personagem homem em super-herói evoca, para a criança, a sua passagem à idade adulta.

Um contato travado entre a marca e o indivíduo, ainda na sua infância, será um passo fundamental para obter a sua fidelidade e torná-lo um cliente quando crescer. Como agravante, há ainda o fato de que não é de hoje que as crianças influenciam o consumo de seus pais. Tal influência, diga-se, não se restringe aos produtos diretamente voltado para os pequenos. A precocidade do consumo dos jovens acarreta na inserção destes na participação das compras domésticas, pelo menos por meio de sugestões e pedidos. E birras.

*Eloy Zaidan é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal da Paraíba – campus João Pessoa.

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