A era do neuromarketing

Foto: Wikipedia

Em A lógica do consumo, Martin Lindstrom joga luzes e advoga a favor do emprego da neurociência como uma aliada necessária à pesquisa de mercado tradicional.

Eloy Zaidan*

Não raro, agentes de pesquisa de mercado se veem em situação embaraçosa pois os resultados de sondagens qualitativas e qualitativas realizadas com prospects, selecionados com esmero, acabam não sendo consonantes com o comportamento real dos consumidores. Um exemplo: existem programas de televisão os quais, por seu conteúdo grotesco e baixo nível cultural, são quase consensualmente vilipendiados em rodas de conversas. É como se ninguém gostasse do programa. No entanto, os índices de audiência mostram exatamente o contrário. A receptividade da atração televisiva é alta, apesar das declarações opostas das pessoas no dia a dia.

Por volta de dezembro de 2006, a gigante dos programas de televisão licenciados, FremantleMedia estavas as voltas com testes de receptividade de uma de suas atrações, o jogo televisivo Quizmania. A metodologia adotada para a pesquisa combinou questionários a serem respondidos por representantes dos telespectadores com outra ferramenta menos tradicional, um equipamento de Topografia de Estado Estável (TEE).

A técnica do TEE vale-se de “(...) uma série de sensores para medir pequenos sinais elétricos em uma dúzia de áreas diferentes do cérebro humano (...). Como o cérebro é especializado, com regiões físicas específicas claramente associadas a funções cognitivas próprias, a TEE oferece dicas de como as funções cognitivas (excitação, envolvimento etc.) estão acontecendo em reação a vários estímulos” (LINDSTROM, 2016, p. 178).

Os participantes da pesquisa teriam que vestir uma touca com eletrodos enquanto assistiam a vídeos de programas televisivos. O equipamento de pesquisa neurológica mediria a reação cerebral da audiência direto na fonte. Ou seja, no cérebro. Após os vídeos, um questionário também foi aplicado, instando os participantes a descreverem seus sentimentos a respeito dos mesmos programas.

Além do Quizmania, outras duas atrações televisivas do Reino Unido foram exibidas para os representantes dos telespectadores, a título de referência. Os realitys The Swan, um fracasso de audiência, e How Clean is Your House?, um grande sucesso.

Apesar dos claros indicadores de audiência, os quais apontavam o sucesso de um dos programas e o fracasso de outro, o levantamento dos questionários respondidos conscientemente pelos participantes apontou o emparelhamento com relação a possibilidade dos participantes de assistirem às atrações The Swan e How Clean is Your House?.

Por outro lado, a pesquisa de TEE, realizada diretamente com cérebro, trouxe um resultado distinto: os voluntários se envolverem mais emocionalmente com o programa How Clean is Your House?, justamente aquele de sucesso comprovado (LINDSTROM, 2016, p. 147 – 151).

Não é por acaso, portanto, que o especialista em branding, Martin Lindstrom, autor de A lógica do consumo, admita com ressalvas as sondagens tradicionais – como pesquisa de mercado e discussões de grupo. Pesquisas quantitativas, qualitativas e de focal group não mais conseguem descobrir o que, de fato, pensam os consumidores. Não é que, necessariamente, os consumidores entrevistados estão mentindo. Para o autor, fatores diversos como elementos culturais, de criação, nível de estresse, dentre outros elementos subconscientes, exercem uma influência por vezes oculta sobre as escolhas feitas pelos consumidores, sem que estes tenham plena consciência disso. Na medida em que o consumidor não tem plena consciência do que está por trás das suas escolhas, consequentemente, há uma evidente limitação das contribuições que as suas respostas a uma pesquisa de mercado podem oferecer (LINDSTROM, 2016, p. 25-26).

A solução para o dilema seria, então, perguntar diretamente para o cérebro, com a ajuda da neurociência, a qual poderia não substituir a pesquisa de mercado tradicional, mas, no mínimo, somar-se a ela.

Convencido da importância da neurociência para o marketing, Martin Lindstrom – o qual tem atuação global e já prestou consultoria para empresas do porte da McDonald’s, Nestlé, Nokia e Microsoft – abiscoitou um orçamento de aproximadamente sete milhões de dólares junto a oito multinacionais (parcela do valor foi oriunda do próprio capital do autor), a fim de realizar estudos de neuromarketing. O objetivo não seria o de descobrir formas de implantar ideias o de forçar o consumo de determinados produtos, e sim o de “(...) revelar as motivações mais profundas de nossa mente – e, talvez, fazer avançar a pesquisa cerebral ao mesmo tempo” (LINDSTROM, 2016, p. 29), enfim “(...) revelar o que já está dentro da nossa cabeça – a nossa ‘lógica de consumo’” (LINDSTROM, 2016, p. 39) – daí o título do livro.

A pesquisa foi iniciada em 2004 e durou aproximadamente três anos, durante o qual foi supervisionada pela Comissão de Ética de um hospital. Ao todo, valeu-se de 2.081 voluntários de diferentes países - Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Japão e China – os quais se submeteram a dois instrumentos de rastreamento cerebral: o TEE, já mencionado, utilizado em 1.979 casos, e a técnica de Imagem por Ressonância Magnética funcional (IRMf), utilizada em 102 rastreamentos (LINDSTROM, 2016, p. 38-40).

O rastreamento por IRMf, apresentado pelo autor como “(...) a mais avançada técnica de rastreamento cerebral disponível atualmente (...)” (LINDSTROM, 2016, p. 17), vale-se da mensuração da quantidade de sangue oxigenado em partes específicas do cérebro do voluntário.

“Ao realizar uma tarefa específica, o cérebro requer mais combustível – principalmente oxigênio e glicose. Portanto, quanto mais uma região do cérebro estiver trabalhando, maior será o consumo de combustível e o fluxo de sangue oxigenado para aquela região. Portanto, durante o exame no IRMf, quando uma parte do cérebro está sendo usada, aquela região se ascende em vermelho-fogo. Ao rastrear essa ativação, os neurocientistas podem determinar que áreas específicas do cérebro estão trabalhando num determinado momento” (LINDSTROM, 2016, p.17).

Dois pesquisadores, mais especificamente ligados à neurociência, trabalharam com Martin Lindstrom. Foram eles: a dra. Gemma Calvert, a qual liderou as pesquisas com o IRFMf, e o professor Richard Silberstein, o qual se ocupou das TEE. A dra. Calvert, além de catedrática de Neuroimagem Aplicada, é diretora do centro de IRMf do Grupo de Manufatura de Warwick, da Universidade de Warwick. Já o professor Silberstein é catedrático de Neurociência Cognitiva (LINDSTROM, 2016, p. 177-178).

Apesar de ainda hoje as pesquisas em neuromarketing remeterem de algum modo ao clássico da ficção científica 1984, do britânico George Orwell (1903-1950), o qual aborda a manipulação das massas, Lindstrom é otimista com relação a nova ciência. Para o autor, com crescimento do uso de técnicas de neuromarketing, haverá uma gradual mitigação dos custos e uma consequente popularização da neurociência em favor dos negócios das empresas (LINDSTROM, 2016, p. 152).

E o campo de abrangência do neuromarketing não deve se restringir a sondagem previa das possibilidades de êxito ou fracasso de produtos por ocasião de seus desenvolvimentos e lançamentos. Também estratégias de publicidade deverão se valer de embasamentos fornecidos pelos referidos estudos. Como exemplo, destaca-se a constatação de que “(...) não há como negar que o medo exerce um efeito extremamente poderoso no cérebro. Na verdade, quando mexem menos com as ansiedades generalizadas e mais com as nossas inseguranças em relação a nós mesmos, os anúncios baseados em medo podem ser um dos tipos mais persuasivos – e memoráveis – de publicidade. Posto isso, prevejo que veremos cada vez mais marketing baseado no medo nos próximos anos” (LINDSTROM, 2016, p. 171).

É possível que tal constatação ajude a explicar o movimento de relativo êxito do marketing de políticos ultraconservadores pelo mundo, cujos discursos são permeados pela difusão do medo: medo de terroristas, medo de estrangeiros...

Tecnicamente, a contribuição da obra de Lindstrom para a ampliação da eficiência das estratégias de marketing é inegável. A relação sugerida entre o neuromarketing e a ficção Orwelliana não chega a ser um delírio, visto que a apropriação de contribuições da neurociência pelo marketing gera, ao menos potencialmente, um empoderamento dos agentes do mercado. A despeito de qualquer discussão no campo ético, o uso de recursos como a antropologia do consumo e do próprio neuromarketing dificilmente deixarão de ser aplicadas no contexto da economia capitalista. Ao contrário, como bem vaticina o autor, devem ganhar terreno.

Por outro lado, a pesquisa retratada em A lógica do consumo é também pertinente para os consumidores, por ajudar a esclarecer como operam os mecanismos internos que levam ao desejo, o qual redunda no consumo. Pesa a favor do livro o fato deste não ser permeado por termos técnicos. A leitura por um leigo da área de marketing é plenamente possível. Ademais, ninguém é leigo quando o assunto é consumo. E, ao fim e ao cabo, é sobre isto que o livro trata: consumo.

*Eloy Zaidan é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal da Paraíba – campus João Pessoa.



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