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Em A lógica do consumo, Martin Lindstrom joga luzes e advoga
a favor do emprego da neurociência como uma aliada necessária à pesquisa de
mercado tradicional.
Eloy Zaidan*
Não raro, agentes de pesquisa de mercado se veem em situação
embaraçosa pois os resultados de sondagens qualitativas e qualitativas
realizadas com prospects, selecionados com esmero, acabam não sendo consonantes
com o comportamento real dos consumidores. Um exemplo: existem programas de
televisão os quais, por seu conteúdo grotesco e baixo nível cultural, são quase
consensualmente vilipendiados em rodas de conversas. É como se ninguém gostasse
do programa. No entanto, os índices de audiência mostram exatamente o
contrário. A receptividade da atração televisiva é alta, apesar das declarações
opostas das pessoas no dia a dia.
Por volta de dezembro de 2006, a gigante dos programas de
televisão licenciados, FremantleMedia estavas as voltas com testes de
receptividade de uma de suas atrações, o jogo televisivo Quizmania. A
metodologia adotada para a pesquisa combinou questionários a serem respondidos
por representantes dos telespectadores com outra ferramenta menos tradicional,
um equipamento de Topografia de Estado Estável (TEE).
A técnica do TEE vale-se de “(...) uma série de sensores
para medir pequenos sinais elétricos em uma dúzia de áreas diferentes do
cérebro humano (...). Como o cérebro é especializado, com regiões físicas
específicas claramente associadas a funções cognitivas próprias, a TEE oferece
dicas de como as funções cognitivas (excitação, envolvimento etc.) estão
acontecendo em reação a vários estímulos” (LINDSTROM, 2016, p. 178).
Os participantes da pesquisa teriam que vestir uma touca com
eletrodos enquanto assistiam a vídeos de programas televisivos. O equipamento
de pesquisa neurológica mediria a reação cerebral da audiência direto na fonte.
Ou seja, no cérebro. Após os vídeos, um questionário também foi aplicado,
instando os participantes a descreverem seus sentimentos a respeito dos mesmos
programas.
Além do Quizmania, outras duas atrações televisivas do Reino
Unido foram exibidas para os representantes dos telespectadores, a título de
referência. Os realitys The Swan, um fracasso de audiência, e How Clean is Your
House?, um grande sucesso.
Apesar dos claros indicadores de audiência, os quais
apontavam o sucesso de um dos programas e o fracasso de outro, o levantamento
dos questionários respondidos conscientemente pelos participantes apontou o
emparelhamento com relação a possibilidade dos participantes de assistirem às
atrações The Swan e How Clean is Your House?.
Por outro lado, a pesquisa de TEE, realizada diretamente com
cérebro, trouxe um resultado distinto: os voluntários se envolverem mais
emocionalmente com o programa How Clean is Your House?, justamente aquele de
sucesso comprovado (LINDSTROM, 2016, p. 147 – 151).
Não é por acaso, portanto, que o especialista em branding, Martin
Lindstrom, autor de A lógica do consumo, admita com ressalvas as sondagens
tradicionais – como pesquisa de mercado e discussões de grupo. Pesquisas
quantitativas, qualitativas e de focal group não mais conseguem descobrir o
que, de fato, pensam os consumidores. Não é que, necessariamente, os
consumidores entrevistados estão mentindo. Para o autor, fatores diversos como
elementos culturais, de criação, nível de estresse, dentre outros elementos
subconscientes, exercem uma influência por vezes oculta sobre as escolhas
feitas pelos consumidores, sem que estes tenham plena consciência disso. Na
medida em que o consumidor não tem plena consciência do que está por trás das
suas escolhas, consequentemente, há uma evidente limitação das contribuições
que as suas respostas a uma pesquisa de mercado podem oferecer (LINDSTROM,
2016, p. 25-26).
A solução para o dilema seria, então, perguntar diretamente
para o cérebro, com a ajuda da neurociência, a qual poderia não substituir a
pesquisa de mercado tradicional, mas, no mínimo, somar-se a ela.
Convencido da importância da neurociência para o marketing,
Martin Lindstrom – o qual tem atuação global e já prestou consultoria para
empresas do porte da McDonald’s, Nestlé, Nokia e Microsoft – abiscoitou um
orçamento de aproximadamente sete milhões de dólares junto a oito
multinacionais (parcela do valor foi oriunda do próprio capital do autor), a
fim de realizar estudos de neuromarketing. O objetivo não seria o de descobrir
formas de implantar ideias o de forçar o consumo de determinados produtos, e
sim o de “(...) revelar as motivações mais profundas de nossa mente – e, talvez,
fazer avançar a pesquisa cerebral ao mesmo tempo” (LINDSTROM, 2016, p. 29),
enfim “(...) revelar o que já está dentro da nossa cabeça – a nossa ‘lógica de
consumo’” (LINDSTROM, 2016, p. 39) – daí o título do livro.
A pesquisa foi iniciada em 2004 e durou aproximadamente três
anos, durante o qual foi supervisionada pela Comissão de Ética de um hospital.
Ao todo, valeu-se de 2.081 voluntários de diferentes países - Estados Unidos,
Alemanha, Inglaterra, Japão e China – os quais se submeteram a dois instrumentos
de rastreamento cerebral: o TEE, já mencionado, utilizado em 1.979 casos, e a
técnica de Imagem por Ressonância Magnética funcional (IRMf), utilizada em 102
rastreamentos (LINDSTROM, 2016, p. 38-40).
O rastreamento por IRMf, apresentado pelo autor como “(...)
a mais avançada técnica de rastreamento cerebral disponível atualmente (...)” (LINDSTROM,
2016, p. 17), vale-se da mensuração da quantidade de sangue oxigenado em partes
específicas do cérebro do voluntário.
“Ao realizar uma tarefa específica, o cérebro requer mais
combustível – principalmente oxigênio e glicose. Portanto, quanto mais uma
região do cérebro estiver trabalhando, maior será o consumo de combustível e o
fluxo de sangue oxigenado para aquela região. Portanto, durante o exame no
IRMf, quando uma parte do cérebro está sendo usada, aquela região se ascende em
vermelho-fogo. Ao rastrear essa ativação, os neurocientistas podem determinar
que áreas específicas do cérebro estão trabalhando num determinado momento” (LINDSTROM,
2016, p.17).
Dois pesquisadores, mais especificamente ligados à
neurociência, trabalharam com Martin Lindstrom. Foram eles: a dra. Gemma
Calvert, a qual liderou as pesquisas com o IRFMf, e o professor Richard
Silberstein, o qual se ocupou das TEE. A dra. Calvert, além de catedrática de
Neuroimagem Aplicada, é diretora do centro de IRMf do Grupo de Manufatura de
Warwick, da Universidade de Warwick. Já o professor Silberstein é catedrático
de Neurociência Cognitiva (LINDSTROM, 2016, p. 177-178).
Apesar de ainda hoje as pesquisas em neuromarketing
remeterem de algum modo ao clássico da ficção científica 1984, do britânico
George Orwell (1903-1950), o qual aborda a manipulação das massas, Lindstrom é
otimista com relação a nova ciência. Para o autor, com crescimento do uso de
técnicas de neuromarketing, haverá uma gradual mitigação dos custos e uma
consequente popularização da neurociência em favor dos negócios das empresas (LINDSTROM,
2016, p. 152).
E o campo de abrangência do neuromarketing não deve se
restringir a sondagem previa das possibilidades de êxito ou fracasso de
produtos por ocasião de seus desenvolvimentos e lançamentos. Também estratégias
de publicidade deverão se valer de embasamentos fornecidos pelos referidos
estudos. Como exemplo, destaca-se a constatação de que “(...) não há como negar
que o medo exerce um efeito extremamente poderoso no cérebro. Na verdade,
quando mexem menos com as ansiedades generalizadas e mais com as nossas
inseguranças em relação a nós mesmos, os anúncios baseados em medo podem ser um
dos tipos mais persuasivos – e memoráveis – de publicidade. Posto isso, prevejo
que veremos cada vez mais marketing baseado no medo nos próximos anos” (LINDSTROM,
2016, p. 171).
É possível que tal constatação ajude a explicar o movimento
de relativo êxito do marketing de políticos ultraconservadores pelo mundo,
cujos discursos são permeados pela difusão do medo: medo de terroristas, medo
de estrangeiros...
Tecnicamente, a contribuição da obra de Lindstrom para a ampliação
da eficiência das estratégias de marketing é inegável. A relação sugerida entre
o neuromarketing e a ficção Orwelliana não chega a ser um delírio, visto que a
apropriação de contribuições da neurociência pelo marketing gera, ao menos
potencialmente, um empoderamento dos agentes do mercado. A despeito de qualquer
discussão no campo ético, o uso de recursos como a antropologia do consumo e do
próprio neuromarketing dificilmente deixarão de ser aplicadas no contexto da
economia capitalista. Ao contrário, como bem vaticina o autor, devem ganhar
terreno.
Por outro lado, a pesquisa retratada em A lógica do consumo
é também pertinente para os consumidores, por ajudar a esclarecer como operam
os mecanismos internos que levam ao desejo, o qual redunda no consumo. Pesa a
favor do livro o fato deste não ser permeado por termos técnicos. A leitura por
um leigo da área de marketing é plenamente possível. Ademais, ninguém é leigo
quando o assunto é consumo. E, ao fim e ao cabo, é sobre isto que o livro
trata: consumo.
*Eloy Zaidan
é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto
Federal da Paraíba – campus João Pessoa.
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