Oniomania, quando se é consumido pelo consumo

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O consumo compulsivo gera transtornos financeiros e de saúde. Para vencê-lo, é preciso enfrentar hábitos arraigados e incentivados desde a remota infância e lutar contra os apelos sedutores do mercado e dos meios de comunicação.

 Tiago Eloy Zaidan

Tomando por referência o modo de produção capitalista, o consumo é um elemento basal na equação de uma economia saudável. A lógica é simples. Se eu compro um sapato, não apenas ajudo a manter a própria loja e seus empregos. O lojista terá de encomendar mais mercadorias dos fabricantes. Os fabricantes geram empregos para dar conta da produção e encomendam insumos para produzir mais sapatos. O fornecedor da matéria-prima recebe o seu pagamento e vai ao shopping comprar bens de consumo. Ao longo de todo esse processo, todos os atores – o consumidor, o lojista, o fabricante e o produtor de insumos – recolhem impostos para o governo, o qual mantém, assim, a estrutura estatal e os serviços públicos. E assim, a roda da economia gira.

O protagonismo do consumo na economia capitalista é tão grande que o ato de consumir é incentivado diuturnamente. Em países como o Brasil, onde não há restrições de mensagens comerciais destinadas às crianças, o incentivo ao consumo se dá desde a mais tenra idade. E não apenas pelos comerciais dos meios de comunicação. Mas, sobretudo, pela pavimentação de uma memória afetiva pela própria família, que cria marcas indeléveis nas pessoas. Aqueles passeios de fim de semana, com os pais, no shopping. Aqueles lanches com os parentes no fast food, irrigados por refrigerante. O convite dos avôs para escolher presentes em datas especiais. Somos ensinados desde cedo a consumir e tornamos isso um hábito natural. Terapêutico e tranquilizador até. Já que, em um mundo incerto e mutante, a ida ao shopping nos faz lembrar o seguro e feliz passeio da infância.

Destarte, há quem troque prazeres simples – como uma caminhada na praia ou um momento de intimidade com o companheiro ou companheira – pelo ato de consumir. E passem a confundir momentos de lazer com passeios em centros de compras. Não chega a ser espantoso, portanto, constatar que para muitos, o ato de comprar torna-se um vício. Um vício problemático, que pode redundar em problemas financeiros graves, em decorrência de dívidas.

Mas o ato de consumir é economicamente tão importante, que o vício do consumo não chega a ser malvisto pela sociedade. Pelo menos não na mesma proporção que o vício em álcool ou em drogas ilícitas. Na verdade, por vezes, os governos anseiam pelo aumento do consumo, o que ajudaria a impulsionar a economia local. Assim, o incentivo ao consumo continua a ser alimentado, o que atrapalha a busca de tratamento pelo dependente.

A matéria “Deixava de comer para pagar dívidas: o vício em comprar, que atinge ricos e pobres”, da jornalista Renata Mendonça, publicada pela BBC Brasil em março de 2018, traz a elucidação seminal da Psicóloga Tatiana Zambrano sobre o vício do consumo. “É bem parecido com a dependência química. Você começa a fumar primeiro com o cigarro dos amigos, depois vai comprar seu próprio maço, até passar a fumar todo dia. Você percebe uma expansão daquele comportamento na vida da pessoa. Não é o objeto em si, mas é o ato de comprar”, explica Zambrano, a qual é coordenadora do tratamento para compradores compulsivos no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Evidentemente, nem todo consumidor pode ser classificado como dependente. Gino Giacomini Filho, em seu livro “Meio Ambiente e Consumismo”, apresenta os conceitos de compra impulsiva e compra compulsiva. É bem provável que já tenhamos experimentado uma espécie de sentimento de urgência, um arrebatamento que nos leva a comprar um artigo de forma impulsiva. “Compradores impulsivos desprezam algumas informações e tomam decisões rápidas, emocionais, influenciados pela apresentação visual dos produtos, por promotores nos pontos de venda ou por recursos persuasivos, como, por exemplo, pelo humor”, explica Giacomini Filho.

A situação se complica mesmo quanto se trata de compra compulsiva. Trata-se de outro patamar. O de dependência. Aqui, o usufruto da mercadoria é um mero detalhe. A bem da verdade, é possível que o produto nunca seja usado. O que importa para o consumidor compulsivo é o ato, a ação da compra. Não a mercadoria em si. O prazer, ou o arrefecimento das tensões, ocorre no passeio às lojas, no provar das roupas, na aquisição, no sair do ponto de venda com o produto belamente embalado. O deleite pode estender-se para o momento da conversa com os amigos ou amigas, na cafeteria do próprio shopping, onde se comenta as compras do dia, revelando-as com entusiasmo enquanto se beberica um café. Essa é provavelmente a apoteose; o instante de ouro do produto que acabou de sair da prateleira. Depois disso, a mercadoria jazerá esquecida em algum canto de um recinto abarrotado. Perderá todo o encanto. Mal servirá para o usufruto. Deixará de ser alvo de cobiça para tornar-se quase um fardo. Um fardo que não apenas ocupa espaço, como também pesa na fatura do cartão de crédito.

Deste ponto em diante, a extravagância e o desperdício de recursos deixam a esfera da frivolidade e adentram na seara da saúde. Passam a doença. E tem até nome. Oniomania.

Ainda segundo faz saber a matéria da jornalista Renata Mendonça, publicada pela BBC Brasil, estimativas da Organização Mundial de Saúde apontam que cerca de 8% da população mundial sofre com a Oniomania. E enquanto nos deparamos com restrições à venda e a publicidade de cigarros, continuamos recebendo uma enxurrada de convites sedutores para seguirmos consumindo. Estejamos doentes ou não.
Devedores Anônimos

Para os conseguem vencer a negação, e reconhecem o problema, há grupos de mútua-ajuda nos moldes dos Alcoólicos Anônimos (A.A.). São os Devedores Anônimos (D.A.), os quais já estão articulados em vários estados. Se no A.A. a busca é pela sobriedade, no D.A. o prélio é pela solvência. 12 passos permeiam a caminhada.

A julgar pelo convite, no site do grupo de São José dos Campos dos Devedores Anônimos, não há cerimônias para se agregar à irmandade. “Não precisa tocar a campainha, é só abrir a porta e subir dois lances de escada. Acompanhe sempre pelo site as datas e horários. Caso a porta esteja fechada, toque a campainha da sala número 7”. E conclui, “Você é bem-vindo(a)”.

Tiago Eloy Zaidan é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal da Paraíba.

4 comentários:

  1. O consumo deve ser consciente. O meio ambiente não suporte a dilapidação acelerada dos recursos naturais. É preciso estar atento a aspectos relacionados à sustentabilidade antes de se deixar levar pela publicidade de campanhas relativas à Black Friday.

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