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O consumo compulsivo gera transtornos financeiros e de saúde. Para vencê-lo, é preciso enfrentar hábitos arraigados e incentivados desde a remota infância e lutar contra os apelos sedutores do mercado e dos meios de comunicação.
Tomando por referência o modo de produção capitalista, o
consumo é um elemento basal na equação de uma economia saudável. A lógica é
simples. Se eu compro um sapato, não apenas ajudo a manter a própria loja e
seus empregos. O lojista terá de encomendar mais mercadorias dos fabricantes.
Os fabricantes geram empregos para dar conta da produção e encomendam insumos
para produzir mais sapatos. O fornecedor da matéria-prima recebe o seu
pagamento e vai ao shopping comprar bens de consumo. Ao longo de todo esse
processo, todos os atores – o consumidor, o lojista, o fabricante e o produtor
de insumos – recolhem impostos para o governo, o qual mantém, assim, a
estrutura estatal e os serviços públicos. E assim, a roda da economia gira.
O protagonismo do consumo na economia capitalista é tão
grande que o ato de consumir é incentivado diuturnamente. Em países como o
Brasil, onde não há restrições de mensagens comerciais destinadas às crianças,
o incentivo ao consumo se dá desde a mais tenra idade. E não apenas pelos
comerciais dos meios de comunicação. Mas, sobretudo, pela pavimentação de uma
memória afetiva pela própria família, que cria marcas indeléveis nas pessoas.
Aqueles passeios de fim de semana, com os pais, no shopping. Aqueles lanches
com os parentes no fast food, irrigados por refrigerante. O convite dos avôs
para escolher presentes em datas especiais. Somos ensinados desde cedo a
consumir e tornamos isso um hábito natural. Terapêutico e tranquilizador até. Já
que, em um mundo incerto e mutante, a ida ao shopping nos faz lembrar o seguro
e feliz passeio da infância.
Destarte, há quem troque prazeres simples – como uma
caminhada na praia ou um momento de intimidade com o companheiro ou companheira
– pelo ato de consumir. E passem a confundir momentos de lazer com passeios em
centros de compras. Não chega a ser espantoso, portanto, constatar que para
muitos, o ato de comprar torna-se um vício. Um vício problemático, que pode
redundar em problemas financeiros graves, em decorrência de dívidas.
Mas o ato de consumir é economicamente tão importante, que o
vício do consumo não chega a ser malvisto pela sociedade. Pelo menos não na
mesma proporção que o vício em álcool ou em drogas ilícitas. Na verdade, por
vezes, os governos anseiam pelo aumento do consumo, o que ajudaria a impulsionar
a economia local. Assim, o incentivo ao consumo continua a ser alimentado, o
que atrapalha a busca de tratamento pelo dependente.
A matéria “Deixava de comer para pagar dívidas: o vício em
comprar, que atinge ricos e pobres”, da jornalista Renata Mendonça, publicada
pela BBC Brasil em março de 2018, traz a elucidação seminal da Psicóloga
Tatiana Zambrano sobre o vício do consumo. “É bem parecido com a dependência
química. Você começa a fumar primeiro com o cigarro dos amigos, depois vai
comprar seu próprio maço, até passar a fumar todo dia. Você percebe uma
expansão daquele comportamento na vida da pessoa. Não é o objeto em si, mas é o
ato de comprar”, explica Zambrano, a qual é coordenadora do tratamento para
compradores compulsivos no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Evidentemente, nem todo consumidor pode ser classificado
como dependente. Gino Giacomini Filho, em seu livro “Meio Ambiente e Consumismo”,
apresenta os conceitos de compra impulsiva e compra compulsiva. É bem provável que
já tenhamos experimentado uma espécie de sentimento de urgência, um
arrebatamento que nos leva a comprar um artigo de forma impulsiva. “Compradores
impulsivos desprezam algumas informações e tomam decisões rápidas, emocionais,
influenciados pela apresentação visual dos produtos, por promotores nos pontos
de venda ou por recursos persuasivos, como, por exemplo, pelo humor”, explica
Giacomini Filho.
A situação se complica mesmo quanto se trata de compra
compulsiva. Trata-se de outro patamar. O de dependência. Aqui, o usufruto da
mercadoria é um mero detalhe. A bem da verdade, é possível que o produto nunca
seja usado. O que importa para o consumidor compulsivo é o ato, a ação da
compra. Não a mercadoria em si. O prazer, ou o arrefecimento das tensões,
ocorre no passeio às lojas, no provar das roupas, na aquisição, no sair do
ponto de venda com o produto belamente embalado. O deleite pode estender-se
para o momento da conversa com os amigos ou amigas, na cafeteria do próprio
shopping, onde se comenta as compras do dia, revelando-as com entusiasmo enquanto
se beberica um café. Essa é provavelmente a apoteose; o instante de ouro do
produto que acabou de sair da prateleira. Depois disso, a mercadoria jazerá
esquecida em algum canto de um recinto abarrotado. Perderá todo o encanto. Mal
servirá para o usufruto. Deixará de ser alvo de cobiça para tornar-se quase um
fardo. Um fardo que não apenas ocupa espaço, como também pesa na fatura do
cartão de crédito.
Deste ponto em diante, a extravagância e o desperdício de
recursos deixam a esfera da frivolidade e adentram na seara da saúde. Passam a
doença. E tem até nome. Oniomania.
Ainda segundo faz saber a matéria da jornalista Renata
Mendonça, publicada pela BBC Brasil, estimativas da Organização Mundial de
Saúde apontam que cerca de 8% da população mundial sofre com a Oniomania. E
enquanto nos deparamos com restrições à venda e a publicidade de cigarros,
continuamos recebendo uma enxurrada de convites sedutores para seguirmos
consumindo. Estejamos doentes ou não.
Devedores Anônimos |
Para os conseguem vencer a negação, e reconhecem o problema,
há grupos de mútua-ajuda nos moldes dos Alcoólicos Anônimos (A.A.). São os Devedores
Anônimos (D.A.), os quais já estão articulados em vários estados. Se no A.A. a
busca é pela sobriedade, no D.A. o prélio é pela solvência. 12 passos permeiam
a caminhada.
A julgar pelo convite, no site do grupo de São José dos Campos
dos Devedores Anônimos, não há cerimônias para se agregar à irmandade. “Não
precisa tocar a campainha, é só abrir a porta e subir dois lances de escada.
Acompanhe sempre pelo site as datas e horários. Caso a porta esteja fechada,
toque a campainha da sala número 7”. E conclui, “Você é bem-vindo(a)”.
Tiago Eloy Zaidan é jornalista e professor da Unidade
Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal da Paraíba.
O consumo deve ser consciente. O meio ambiente não suporte a dilapidação acelerada dos recursos naturais. É preciso estar atento a aspectos relacionados à sustentabilidade antes de se deixar levar pela publicidade de campanhas relativas à Black Friday.
ResponderExcluirGostei do texto, interessante!
ResponderExcluirExcelente texto !
ResponderExcluirBem interessante esse tema!
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