Mercado de trabalho: contra os autômatos, sejamos humanos

Imagem: TaiCIWJHai King Tung | Wikimedia Commons

Vivemos a revolução do avanço dos autômatos sobre o mercado de trabalho no setor de serviços. O relacionamento interpessoal e a geração de empatia podem ser armas a favor dos trabalhadores humanos nas trincheiras pela manutenção de seus postos de trabalho.


Tiago Eloy Zaidan

Quem se dirige a rede de fast food McDonald’s para comprar um lanche já deve ter notado que, agora, o pedido pode ser feito diretamente em totens eletrônicos. Ou seja, dispensa a participação de um funcionário. A tecnologia, que começou a ser testada no Brasil em 2017, em uma loja conceito de São de Paulo, já se disseminou.

Não por acaso, a revista Exame publicou em 9 de junho de 2018, a matéria “Funcionários do McDonald’s já estão começando a sumir”. Segundo o texto, assinado pela jornalista Mariana Fonseca, a “rede de fast food aumentou a aposta em unidades de autoatendimento. A cada quadrimestre, McDonald's planeja incluir 1.000 lojas no formato”.

Esse é apenas mais um capítulo de como a automatização redundante do avanço tecnológico está pulverizando vagas de empregos. Outro exemplo clássico reside nas entradas e saídas dos estacionamentos de shopping-centers. Em um passado não muito distante, cabia a um empregado de carne e osso entregar e receber o ticket do estacionamento para liberar a cancela. Agora, uma máquina recepciona os carros com uma gravação metálica, desejando boas vindas e emitindo um ticket. Na saída, cabe também a uma máquina a coleta do ticket e a liberação da cancela para passagem dos carros.

O seu José, que se ocupava desse serviço, foi demitido. E, provavelmente, você nem sequer percebeu. Essa é, indubitavelmente, uma faceta dolorosa. Porém, concreta. E sem volta. Mesmo na área de serviços. Em circunstâncias normais, não voltaremos a ver seu José na entrada do estacionamento do shopping, recuperando o posto que perdeu para os autômatos. Pelo contrário. A tecnologia deve continuar avançando sobre os postos de trabalho. E aí, definitivamente, este assunto passa a ser da nossa conta. É bem possível que nós também não estejamos imunes.

Diferencial humano

O que mais impressiona, no entanto, é que, apesar da pressão ameaçadora da tecnologia sobre os trabalhadores humanos, há pessoas que continuam fazendo mais do mesmo. Ou, pior, continuam não fazendo. Explico.

Especialmente em contextos revolucionários, como este, protagonizados pelo avanço tecnológico, é necessário mais do que nunca dar mostras do seu próprio valor. Sobretudo em aspectos nos quais os autômatos levam desvantagem. Desvantagem pelo simples fato de... não serem humanos. O totem da McDonald’s e a cancela eletrônica do estacionamento do shopping têm algo em comum. São incapazes de gerar empatia. De serem cúmplices. Atributos louváveis para quem lida com as refregas do setor de serviços. Note que não estou falando do setor industrial. Ou de postos de trabalho que não requerem interação com outros humanos. Discorro sobre o setor de serviços. De postos que estão diante dos olhos dos clientes. É chocante constatar que, mesmo assim, os autômatos continuam substituindo humanos tão facilmente.

É praticamente inexistente as situações em que um cliente sentiu falta do funcionário que entregava tickets no estacionamento do shopping, a ponto de perguntar por ele na administração. Provavelmente porque o entregador de tickets já agia como um autômato. Não sorria. Não desejava bom dia. Não se apresentava pelo nome. Não se abria para possibilidades de network. Não fazia qualquer esforço para ser lembrado. E muito menos para que sentissem falta dele. É uma pena.

Ante a revolução tecnológica, para um trabalhador humano, ser eficiente no dever de distribuir tickets e abrir cancelas infelizmente não é o suficiente. Essas funções são perfeitamente adequadas a um autômato – o qual sairá mais barato para o empresário. E o empresário, em última instância, quer lucro.

Essa é a reflexão que cada um de nós precisamos fazer nesse momento de ameaça aos postos. A minha função, da forma como eu a exerço, é passível de ser exercida por um autômato? Diante de uma resposta afirmativa, vislumbro duas possibilidades: a. Há algo que eu possa agregar a minha função, de modo a ganhar vantagem competitiva frente ao autômato? Geração de empatia e pavimentação de relacionamento interpessoal são possibilidades de elementos a serem agregados. b. Pensar seriamente em mudar de ramo. Qualificar-se para encontrar uma função com valor agregado maior. Não se trata de uma deserção. E sim, resiliência. As pessoas nascem com potencial para fazer mais. Para valerem-se do intelecto e da criatividade. Não deveriam se acomodar em funções repetitivas e maçantes, que agregam pouco valor.

É aqui que entra o “continuam não fazendo”. Transbordam exemplos de falta de empatia. Mesmo no setor de serviços. E sempre pode piorar. Transbordam os exemplos de falta de atenção ao próximo, seja o próximo um cliente ou não. Inclusive por conta do uso indevido e inoportuno do celular. Sobretudo depois que essa engenhoca se converteu em um computador portátil. Tornou-se difícil não ser sugado por ele. O cliente não tem qualquer chance.

Um parêntese: a epidemia do uso inoportuno do celular tem afetado outros aspectos da vida das pessoas. De condutores que não abrem mão do celular enquanto dirigem seus veículos a alunos que não se concentram na aula.

Assim, fica mais fácil trocar gente por máquina. O caminho torna-se mais curto. Tão curto que quase não é percebido. Cobradores de ônibus substituídos por catracas eletrônicas. Secretárias substituídas por gravações telefônicas. Aqui, aliás, cabe um exemplo trazido à tona por Alexandre Luzzi Las Casas em seu livro “Qualidade total em serviços no contexto brasileiro”.

Las Casas relata uma experiência própria, de quando precisou ligar para uma faculdade para contatar o Departamento de Administração do Setor de Pós-Graduação. A atendente nunca o esperava concluir a frase ao telefone. O máximo que ele conseguia falar era “gostaria de falar com o Departamento de Administração...”. E eis que era interrompido por uma transferência indevida para o setor errado. A solução encontrada por Las Casas foi, na terceira tentativa, inverter a ordem da frase: “Pós-graduação! Departamento de Administração. Queria falar, por favor. Bom dia”.

Um atendimento gravado, oferecendo opções numéricas para serem escolhidas no teclado teria se saído melhor que a atendente da faculdade. Esse é um péssimo sinal. Não apenas do ponto de vista do atendimento. Mas, antes, do ponto de vista sociológico.

Que sociedade é esta, em que um programa de computador e uma gravação são capazes de te atender melhor ao telefone que um igual de carne e osso. Em que a oportunidade e a capacidade de ser prestativo são placidamente descartadas. Em que o relacionamento interpessoal, o contato humano, tem sido cada vez mais assumido – sem constrangimento – como um ponto fraco pelas pessoas. Logo esse aspecto basal, no qual deveria residir uma óbvia vantagem das pessoas frente os autômatos.

Tiago Eloy Zaidan é relações públicas, jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal da Paraíba – Campus João Pessoa.



LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Qualidade Total em Serviços: conceitos, exercícios, casos práticos. São Paulo: Atlas, 2008.


3 comentários:

  1. Verdade Professor, cada dia que passa os seres humanos estão perdendo espaço para robôs, infelizmente isso é uma realidade dura e cruel.

    ResponderExcluir
  2. Em que ponto iremos chegar, daqui pra o ano de 2030?
    Otimização tecnológica é confortável e ágil, porém deixa o ser himanosem uma forma de sobrevivência sendo substituídos pela induindús robótica.

    ResponderExcluir

Deixe aqui o seu comentário.
Sua mensagem é muito bem-vinda!