Um sujeito liga para uma faculdade para contatar o Departamento de Administração do Setor de Pós-Graduação. Contudo, não obtém sucesso por um simples motivo. A atendente não espera o interlocutor concluir a frase ao telefone, e o transfere sistematicamente para o setor errado. O máximo que o sujeito consegue falar é “gostaria de falar com o departamento de administração...”. E a conversa é interrompida com a transferência indevida. A solução encontrada pelo interlocutor é, na terceira tentativa, inverter a ordem da frase: “Pós-graduação! Departamento de Administração. Queria falar, por favor. Bom dia” (LAS CASAS, 2008, p. 3).
Tiago Eloy Zaidan
A experiência relatada foi vivenciada justamente pelo autor
do livro Qualidade Total em Serviços: Conceitos, Exercícios, Casos Práticos,
Andre Luzzi Las Casas, o qual é mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (onde é professor titular) e doutor em
Administração Mercadológica pela Fundação Getúlio Vargas - SP.
Em Qualidade Total em Serviços, o objetivo central é a
aplicação da qualidade aos serviços, com foco nas estratégias ligadas aos
aspectos internos do negócio – embora a qualidade envolva também aspectos
externos. Para tratar do último prisma, o autor escreveu Marketing de serviços,
também lançado pela editora Atlas.
A abordagem dos aspectos internos é pertinente, na medida em
que sem o apoio efetivo dos administradores, os quais também precisam dar bons
exemplos, e a participação ativa dos funcionários, uma instituição não consegue
oferecer um serviço de qualidade. Aliás, “a palavra funcionário é a chave na
prestação de serviços. São eles que falam com os consumidores” (LAS CASAS,
2008, p. 22). Por isso, um dos passos iniciais para se alcançar a qualidade é a
disponibilização das ferramentas necessárias à equipe e a valorização do corpo
funcional (LAS CASAS, 2008, p. 190).
A qualidade de um serviço está diretamente relacionada a uma
cultura de priorização dos clientes, o que passa por um bom atendimento, evidentemente
diferente daquele ilustrado na história citada. Pode parecer óbvio, mas, para
muitas empresas, aparentemente, não é.
Muitas organizações priorizam os procedimentos em detrimento
dos clientes. Esse é o caso de uma lanchonete, que, diante de uma solicitação
do consumidor, nega-se a trocar um ingrediente pelo outro no prato executivo
disponível no cardápio. Mesmo com o cliente dispondo-se a pagar pelo serviço
adicional. “É contra o procedimento”, diria o garçom. Pior. Antes de sentenciar
a recusa, faria o consumidor esperar, pois, em um interlúdio, seria preciso
consultar o superior a respeito do apelo do cliente. Diante disso, Las Casas
diria que está tudo errado. E não apenas pelo fato de o procedimento ter sido
colocado em um patamar superior ao cliente.
Os resultados devem ser, de fato, mais importantes que os
procedimentos (LAS CASAS, 2008, p. 28, 34). E os resultados que interessam são
espelhados na satisfação dos clientes. O outro erro é a obtusa burocratização
no atendimento. Se o funcionário possuísse relativa autonomia, poderia ele
próprio ter resolvido a demanda, agilizando o processo (LAS CASAS, 2008, p. 33).
A área de serviços é notadamente marcada pela existência do
componente da intangibilidade – embora um olhar acurado revele que, em maior ou
menor grau, quase sempre pode ser divisado um componente tangível no bojo da
prestação de um serviço ao cliente. No caso do restaurante, mencionado no
exemplo, o cliente se depara com a refeição (tangível) e o atendimento
(intangível) (LAS CASAS, 2008, p.12). Apesar da existência desse percentual
palpável, na área de serviços, comercializa-se, sobretudo, “atos, ações,
desempenho” (LAS CASAS, 2008, p.5).
O nível de satisfação ou insatisfação de um cliente com
relação a um serviço é dotado de alguma complexidade, pois depende, em certo
sentido, das expectativas do consumidor – as quais trazem consigo,
evidentemente, uma carga de abstração. “Se os serviços igualarem ou superarem
as expectativas haverá satisfação. Se forem inferiores, haverá insatisfação.
Quando o resultado supera a expectativa, diz-se que a empresa atingiu a
excelência em serviços” (LAS CASAS, 2008, p.6).
Abstrações à parte, algumas medidas concretas podem
contribuir com a construção de uma imagem positiva na mente do consumidor. Uma
delas é a criação de uma cultura de cooperação entre os funcionários. Em um
contexto de funções rigidamente delimitadas, um funcionário não colabora com
outro, mesmo que esteja livre e o outro precise de sua ajuda. A lógica é: a
atividade do outro ultrapassa as minhas atribuições. E uma das coisas que mais
incomodam os clientes é esperar, numa fila custosa, o atendimento por um
funcionário bastante demandado enquanto outro apenas folheia uma revista ou
navega no smartphone. O ideal é que os colaboradores façam jus a tal
denominação e sejam “(...) treinados para trabalhar em outros setores e
auxiliar os colegas” (LAS CASAS, 2008, p. 31).
Outros tantos caminhos em busca da qualidade passam pelo
treinamento do público interno. Las Casas (2008, p. 120) explica que,
basicamente, há dois tipos de treinamento:
- Aquele voltado para os colaboradores novatos, o qual se
dedica, principalmente, a apresentar a organização ao novo funcionário e a
introduzi-lo nos procedimentos, visando a uma relativa padronização na
prestação do serviço, necessária a construção de uma imagem coerente para a
instituição (LAS CASAS, 2008, p.14); e
- Os treinamentos de reciclagem, voltados para os
colaboradores veteranos, oferecidos de modo específico a partir da “(...)
identificação dos pontos fracos de alguns funcionários (...)” (LAS CASAS, 2008,
p. 121).
Recomenda-se que os treinamentos sejam calcados em
necessidades concretas – previamente identificadas – e tenham objetivos redundantes
de tais necessidades (LAS CASAS, 2008, p. 123, 124). Uma forma producente de se
chegar às necessidades são as pesquisas de atendimento, as quais possibilitam
auscultar os clientes a respeito do atendimento recebido. Os resultados de tais
pesquisas fornecem indicadores do que precisa ser melhorado.
Existem várias formas de se coletar dados, da entrevista à
disponibilização de formulários simples, em pontos estratégicos, convidando o
cliente a opinar. Na Walt Disney Word, tais formulários fazem alusão às orelhas
icônicas de Mickey Mouse, com a frase convidativa: “somos todos ouvidos”,
segundo faz saber Mercedes Reincke, citada por Las Casas (2008, p.43).
O questionário básico de avaliação de um serviço pelo
cliente, sugerido no livro Qualidade Total em Serviços, traz, no mínimo, os
seguintes tópicos, com as respectivas lacunas para preenchimento:
Nota de avaliação (de um a cinco); Pontos fortes; Pontos
fracos; e Sugestões (LAS CASAS, 2008, p. 63).
Muitas empresas já disponibilizam tais pesquisas, por meio
de terminais eletrônicos, no próprio local de atendimento ou de prestação do
serviço. Não é necessário, no entanto, apelar para a tecnologia. “Um
instrumento sem nenhuma sofisticação já permite iniciação de qualquer um aos
princípios de qualidade” (LAS CASAS, 2008, p. 63).
Justificativas para se encetar esforços em busca da
qualidade não faltam. Las Casas cita uma pesquisa que revela “(...) que o
crescimento médio anual das empresas voltadas ao cliente e que aplicam
qualidade total é na ordem de 10%, enquanto outras empresas sem esta
preocupação não apresentaram crescimento” (LAS CASAS, 2008, p.18). Além disso,
há evidências de que as providências para repor um cliente sejam mais caras que
aquelas destinadas a manter um cliente na empresa (LAS CASAS, 2008, p.19). Como
se não bastasse, há, ainda, o indefectível risco que uma organização corre
quando se cultiva clientes insatisfeitos. Principalmente na era das redes
sociais. Um consumidor frustrado é um potencial propagandista das falhas da
empresa e de seu atendimento. Por sua vez, um cliente satisfeito e fiel pode
assumir uma postura cooperativa, indicando a instituição para outras pessoas (LAS
CASAS, 2008, p. 20-21).
Embora países desenvolvidos como Estados Unidos e Japão
estejam na vanguarda da qualidade, o autor é taxativo ao defender a necessidade
da adaptação das técnicas da qualidade total aplicadas no exterior ao Brasil. A
cópia ipsis litteris das experiências estrangeiras em um contexto como o
brasileiro não é recomendada, até pelas diferenças culturais e econômicas (LAS
CASAS, 2008, p.1).
No Brasil, a bem da verdade, antes de se falar em qualidade
total, as organizações ainda precisam correr atrás da boa prestação dos
serviços básicos. Explica-se: A qualidade pode ser um atributo do produto
essencial ou do produto ampliado. O primeiro diz respeito àquilo “(...) que a
empresa se propõe a fazer como base de sua comercialização” (LAS CASAS, 2008, p.
186). Já o segundo, “(...) é tudo aquilo que se agrega no produto essencial, ou
produto núcleo, para aumentar os benefícios proporcionados aos clientes” (LAS
CASAS, 2008, p. 186). A qualidade total ocorre quando os dois aspectos, o
essencial e o ampliado, são contemplados. No setor de serviços brasileiro, a
despeito do mito da inefabilidade do setor privado (principalmente quando
relativizado com o setor público), já seria um avanço se a prestação dos
serviços básicos se desse com qualidade (LAS CASAS, 2008, p. 186).
A conclusão a que chega Las Casas, após anos de pesquisas e
consultorias é aquela que os consumidores brasileiros, após anos de
experiências empíricas, também poderiam chegar. A de que:
“(...) o que necessitamos no Brasil prioritariamente é
atender as necessidades e desejos dos clientes com bons produtos e bons
serviços. Só devemos fazer ampliações de serviços quando o produto ou serviço
básico estiver bem delineado. Ai então estaremos prontos para atender às
exigências da qualidade total” (LAS CASAS, 2008, p. 187).
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