A emblemática
campanha da Avis, nos anos 1960, é uma amostra da genialidade do publicitário
norte-americano Bill Bernbach, mestre em desarmar o interlocutor com argumentos
de “dois tempos”.
Tiago Eloy
Zaidan
A Avis,
vice-líder no mercado de locação de automóveis nos Estados Unidos, não estava
muito bem das pernas. Os prejuízos alcançavam três milhões de Dólares. Esse foi
o cenário encontrado pelo executivo Robert Townsend, em 1962, quando assumiu a
direção da companhia. Para tentar mudar a situação calamitosa, o novo diretor
resolveu começar pela propaganda. Aqui, todavia, a situação também não era
favorável. Os recursos disponíveis para publicidade da organização representavam
apenas um quinto do montante gasto no mesmo setor pela concorrente, a líder de
mercado Hertz.
Em relato
publicado por Roberto Menna Barreto, na obra Criatividade em Propaganda,
Townsend faz saber: “A primeira coisa que fizemos ao assumirmos a direção da
Avis foi pedir a algumas pessoas que organizassem uma lista das agências ‘mais
quentes’”. No processo, deparou-se com um certo Bill Bernbach, o qual parecia
confiante na capacidade de sua agência para ofertar à Avis exatamente o que ela
precisava.
Na ocasião, o
publicitário pedia 90 dias para conhecer o ramo de locação de automóveis e
apelou para que a sua criação não fosse submetida à censuras pelos diversos
departamentos da empresa – como as chefias de propaganda, marketing e jurídica.
Por fim, prometeu que a sua equipe de diretores de arte e redatores
perpassariam noites ponderando sobre a conta.
Pelo tom da
conversa, parecia que algo realmente grande estava por vir. Por isso, não é
difícil imaginar o quão frustrado deve ter ficado o executivo Robert Townsend.
Três meses após o primeiro encontro com Bernbach, a peça apresentada era tão
simples e sincera que soava quase como um insulto. Nos 90 dias que teve para
estudar o mercado, o criativo constatou que a Avis não tinha nada de mais.
Ainda em relato
trazido à luz por Menna Barreto, o executivo da locadora de automóveis faz
saber: “[Bill] Disse que lamentava, mas a única coisa honesta que podia dizer
era a empresa ser a segunda maior no ramo e que seu pessoal (da empresa)
continuava a fazer força”. A ironia é que Bernbach admitiu, com relação à
solução a qual chegara, que “(...) seu próprio departamento de pesquisa
desaconselhara os anúncios e ele mesmo não gostava lá muito deles (...)”.
É claro que por
parte da Avis a criação sugerida também foi recebida com desconfiança. Mas, diante
de um universo que parecia conspirar contra a companhia, não havia mais o que
se fazer. A campanha foi veiculada. Três
anos depois, o antes pressionado Robert Townsend vangloriava-se por deixar a
Avis com um lucro de três milhões de dólares. E hoje, passadas décadas, aquela
campanha estranha é considerada uma das pérolas da publicidade mundial.
Contramão
A grande sacada
da criação talvez seja o fato desta começar reconhecendo o que todos já sabem,
o que é incontestável. “Não somos os maiores”. Esta primeira premissa
funcionaria como um desarme, despojava o receptor de suas resistências e
deixava-o quase desconcertado. A premissa seguinte, no entanto, sempre trazia
uma mensagem a qual, ainda que por vezes sutis, “vendia o peixe” da Avis. As
peças, então, funcionariam como um golpe em dois tempos proferidos por um
boxeador experiente.
Da mesma forma,
há quem diga que a concepção de Bill se aproveitou da simpatia natural que a
maioria das pessoas tendem a nutrir pelo segundo colocado em praticamente
qualquer atividade.
A campanha
abordava argumentos como: “por sermos apenas o número dois, nós nos esforçamos
mais”; “por sermos menores, precisamos trabalhar em dobro”, e coisas do tipo. Estamos
acostumados a mensagens onde os anunciantes se avigoram para transmitir
grandiloquência, beirando a megalomania. Por isso, surpreendemo-nos com a Avis,
a qual chegou a estampar títulos com ares surreais. Vide os exemplos: “Da
próxima vez, prefira a Avis. A fila é menor no nosso balcão”, ou “Avis é apenas
a nº 2. Mas não queremos a sua piedade”.
O manifesto
Quiçá o clímax
da campanha, a peça sob o título “Nº 2ismo. O manifesto da Avis” faz uma paródia
do clássico político O manifesto Comunista, de Karl Marx, e posa de ares
militantes, conforme relata Barreto no livro Criatividade em propaganda: “Nós
estamos no negócio de aluguel de carros, tocando segundo violino ao lado de um
gigante. Antes de tudo, tivemos de aprender a continuar vivos. Na luta, tivemos
também de aprender as diferenças básicas entre os nos 1, e os nos 2 do mundo. A
atitude do nº 1 é: ‘não faça nada errado. Não cometa enganos e você estará OK’.
A atitude do nº 2 é: ‘faça a coisa certa. Procure novas soluções. Faça mais
força’. O nº2ismo é a doutrina da Avis. E funciona. (...). A própria Avis saiu
dos prejuízos para os lucros com essa ideia. A Avis não inventou o nº2ismo.
Qualquer um é livre para usá-lo”. No final, a peça brinca com célebre frase do
livro original de Marx: “Proletários do mundo inteiro, uni-vos!”. Na
propaganda, lê-se: “Nos 2s do mundo inteiro – uni-vos!”
Com o sucesso da
Avis, o mote acabou servindo de inspiração explícita para outras criações
publicitárias mundo afora. No Brasil, uma referência direta a Bernbach pôde ser
vista no final dos anos 1980, em uma peça de Washington Olivetto para o canal
de televisão de Silvio Santos, o SBT. Aqui, o texto “(...) elogia o poderio do
inimigo, ao mesmo tempo que o ironiza e emprega inúmeras figuras de linguagem,
entre outros recursos”, explica João Carrascoza, em seu Redação publicitária:
estudos sobre a retórica do consumo.
Em um dos
trechos, a propaganda da emissora paulista afirma: “Hoje, o primeiro lugar está
nas mãos da Rede Globo. Uma das melhores televisões do mundo. E só Deus sabe o
quanto é difícil disputar com ela”. O humor fica evidente no arremate de
Washington Olivetto: “Hoje nós somos vice. Um dia, seremos versa”. À época, o
slogan da emissora passou a ser “SBT. Liderança absoluta do segundo lugar”.
O fato é que nem
o SBT nem a Avis chegaram a alcançar a liderança. Em parte porque as reações
dos líderes, no contexto das campanhas, foram rápidas e eficientes. Em todo
caso, a Hertz foi obrigada a testemunhar o crescimento da concorrente e a
diminuição da diferença entre ambas, antes abissal. Por outro lado, a
polarização entre o primeiro e o segundo colocado minou as posições das demais
companhias no mercado de locação de automóveis. Estas foram as maiores
perdedoras.
Gênio criativo
Nascido em 13 de
agosto de 1911, no bairro do Bronx, Nova Iorque, William Bernbach também foi o
idealizador de outras campanhas clássicas. Dentre as quais, destaque para o
reposicionamento do Fusca no mercado norte-americano, com o slogan “Think
Small” (“pense pequeno”), a partir do final da década de 1950. Outra criação do
publicitário nova-iorquino que se transformou em um adorno cult foram os
cartazes lançados para promover o pão de centeio judaico Levy’s, nos anos 1950,
em meio ao abastamento da segregação racial. “A campanha final consistia num
cartaz com pessoas de várias etnias comendo o pão e com o slogan ‘você não
precisa ser judeu para amar Levy’s’”, descreve Eduardo Refkalefsky, no artigo Bill
Bernbach: o criador do posicionamento, apresentado durante o XXII Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação.
A carga
persuasiva, por vezes recheadas de convites à alguma militância – mesmo que
seja apenas para se unir a um grupo de consumidores os quais compartilham de
uma determinada filosofia –, presente nas redações publicitárias de Bill, de
certa forma denunciam a sua experiência pregressa como ghost-writer, quando
escreveu discursos para diversos políticos em Nova Iorque.
Mais tarde, ao
unir-se a Ned Doyle e Maxwell Dane, fundou a DDB, a qual viria a se tornar uma
das maiores agências do mundo e um dos símbolos da Madison Avenue. Bernbach era
o “B” da sigla. Esta casa foi uma de suas maiores paixões. Dela, separou-se
apenas na morte, em 1982.
Tiago Eloy
Zaidan é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do
Instituto Federal da Paraíba – campus João Pessoa.
BARRETO, R.
Criatividade em propaganda. São Paulo: Summus, 2004.
CARRASCOZA, J.
Redação publicitária: estudos sobre a retórica do consumo. São Paulo: Futura,
2003.
REFKALEFSKY, E.
Bill Bernbach: o criador do posicionamento. Anais do XXII Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 1999.
Ótima matéria, inspiradora
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