O Fusca e a campanha Think Small |
Como os
conceitos de Raciocínio Dialético e Compreensão seletiva explicam a exitosa
estratégia do lendário publicitário norte-americano Bill Bernbach para livrar o
Fusca de estigmas e emplacar o carrinho esferoide nos Estados Unidos.
Tiago Eloy
Zaidan
Em 17 de janeiro
de 1934, o governo alemão foi apresentado ao projeto de um carrinho esferoide,
pequeno e com o motor traseiro e refrigerado a ar – para enfrentar as baixas
temperaturas invernais sem congelar. O maior objetivo de Ferdinand Porsche,
idealizador do projeto, era o de popularizar o automóvel na Alemanha, onde
menos de 2% da população possuía carro, conforme fazem saber Bernd Schmitt e
Alex Simonson, no livro A estética do marketing.
Estava nascendo
o Fusca, “o carro do povo”.
A concepção, no
entanto, só saiu do papel em 1938. Com o fim da 2ª Grande Guerra Mundial, a
produção do Fusca engrenou. Ainda segundo Schmitt e Simonson, no pós-guerra, a
alemã Volkswagem, fabricante do carrinho, tomou a dianteira na produção de
automóveis na Europa e o Fusca logo chegou na Dinamarca, Luxemburgo, Suécia,
Bélgica e Suíça.
América
Nos Estados
Unidos, apresentação do veículo se deu em 1949, durante uma feira em Nova
Iorque. Nessas paragens, todavia, o Volkswagem enfrentaria maior resistência. O
contexto não estava ao lado da criação de Porsche. No mercado norte-americano
de então, as características do Fusca eram vistas como ultrapassadas. Seu porte
diminuto o configurava quase que como uma piada, levando em consideração que
naquele mercado “(...) a satisfação dos consumidores era proporcional ao
tamanho da carroceria”, lembra Douglas Atkin, em seu O culto às marcas: quando
os clientes se tornam verdadeiros adeptos.
Os carros
ianques eram verdadeiras banheiras e os motoristas pareciam não se importar com
o proporcional consumo de combustível. Enquanto isso, o Fusca recebia o apelido
de besouro (beetle), nas páginas do New York Times.
Como se não
bastasse, o automóvel alemão trazia consigo um forte estigma nazista e
hitleriano. Ironicamente, caberia a um publicitário nascido em um bairro judeu
de Nova Iorque, articular a campanha que tornaria o Fusca um dos carros mais
queridos da América.
Comunicação
William (Bill)
Bernbach (1911-1982) ingressou na publicidade “na marra”. Dentro da empresa de
destilados Schenley Distillers, na década de 1930, sua função original era a de
cuidar das cartas. Deliberadamente, o jovem criou um anúncio para a companhia,
o qual acabou publicado. Teve ainda experiência como ghostwriter até finalmente
ingressar em uma agência publicitária, a extinta William Weintraub. Em 1945,
foi para a Agência Grey, onde galgou o cargo de vice-presidente de criação. No
final da década de 1940, juntou-se a Ned Doyle e Maxwell Dane para criar a Doyle
Dane Bernbach (DDB), a qual se tornaria um dos símbolos da Madison Avenue, em
Nova Iorque.
Sua agência
inovou em vários aspectos. Felipe Turlão, no artigo O centenário de Bill
Bernbach, faz saber que a Doyle Dane Bernbach foi a primeira a ter uma mulher
como líder, Phyllis Robinson, além de abrir espaço para criativos irlandeses e
italianos, em um mercado dominado por anglo-saxões. Também pavimentou o modelo
de atuação conjunta entre redatores e diretores de arte.
Foi justamente
no seio da BBD, que, no final da década de 1950, Bill Bernbach recebeu o
desafio de emplacar o Fusca nos Estados Unidos. Nesta conta, trabalhou com
Julian Koenig, redator, e Helmut Krone, diretor de arte.
Para um carro
diferente, a propaganda também teria de ser diferente. A começar pela ausência
de jovens mulheres em poses insinuantes – clichê em anúncios de automotivos da
época. A única imagem era a do próprio Fusca, em tamanho reduzido – pouco
destacado, portanto –, sob um fundo branco que, por si só, já funcionava como punctum,
em um mundo poluído pelo excesso de informações. Em lugar de palavras-chaves
como “novo” e “grátis”, exaustivamente utilizadas, uma proposição honesta. O
Fusca era, de fato, um carro pequeno. Por isso, o coerente convite “Think
small”, ou “Pense pequeno”. O título, que se tornaria antológico, brincava com
uma expressão usual na sociedade norte-americana: “Think big”, ou “Pense
grande”.
Persuasão
Basicamente, a
redação da campanha valeu-se de estratégias de raciocínio dialético e levou em
consideração o conceito de compreensão seletiva.
Nenhum receptor
é um papel em branco. Qualquer destinatário de uma peça publicitária possui o
seu repertório próprio de experiências, crenças, preconceitos etc. E é com base
neste repertório que cada sujeito interpretará uma propaganda. Trata-se da
compreensão seletiva. Logo, o resultado da interpretação da mensagem enviada
pode não corresponder ao intento original do emissor. “Eles [os receptores]
geralmente interpretam informações para apoiar suas próprias posições. Por
exemplo, o anúncio que deprecie a marca preferida de um consumidor pode ser
visto como tendencioso ou não verdadeiro, e suas intenções podem não ser
aceitas”, explicam George e Michael Belch, na obra referencial Propaganda e
promoção: uma perspectiva da comunicação integrada de marketing.
Os Belch
mencionam ainda que mensagem as quais possuem dupla abordagem, ou seja, que
apresentam os dois lados da moeda de um produto ou serviço, ou mesmo de seus
concorrentes – ao reconhecer algum de seus pontos positivos –, costumam ser
mais eficazes. Ao contrário das tradicionais mensagens unilaterais, apresentar
argumentos adversos pode dotar o emissor de maior credibilidade.
No caso do
Fusca, o título e o texto subsequente iam ao encontro da percepção generalizada
dos receptores, reforçando-a até. Uma estratégia que fugisse disso, corria o
risco de ser mal interpretada no processo de compreensão seletiva. Além disso,
o discurso empregado lançava logo de início um argumento adverso, o qual o
texto que se seguia, tratava de relativizar com sutileza.
Aqui, chegamos a
estratégia discursiva do raciocínio dialético, calcada, grosso modo, em duas
premissas, conforme explica Francisco Gracioso no livro Propaganda institucional:
nova arma estratégica da empresa. “A partir de uma premissa indiscutível, por
basear-se em um fato, crença ou princípio compartilhado pelo leitor, a mensagem
passa a uma proposta ou conclusão discutível, mas com grande possibilidade de
ser aceita como verídica, por partir de uma premissa comum a ambas as partes”.
Ou seja, para se
chegar a este meio de persuasão, o discurso deve, com relação ao receptor,
começar concordando, ou, no mínimo, apresentando uma premissa que não seja
discutível. Ato contínuo, uma segunda premissa insere a mensagem intentada pelo
emissor, discutível do ponto de vista do receptor.
Este é o caso do
clássico slogan político brasileiro: “rouba, mas faz”. “Rouba” é a primeira
premissa, a qual coaduna com a visão do senso comum de que todo político seria
dotado de uma moral duvidosa. A premissa seguinte (“mas faz”), todavia, insere
a promoção do emissor, que até pode ser discutível. Contudo, em um contexto
iniciado por uma premissa compartilhada, o argumento seguinte, favorável ao
emissor, pode ser beneficiado e possui maior chance de ser aceito.
O anúncio de
Bernbach para o Fusca segue exatamente esta lógica, e configura-se com um
exemplo clássico de raciocínio dialético. Ao enunciado “Pense pequeno”,
somam-se os diminutivos “carrinho” e “automovelzinho”, como premissa que
reconhece o porte diminuto do Volkswagem, em plena era dos carros-banheiras. Ao
longo do texto, entretanto, as vantagens inerentes a um carro pequeno são
elencadas, compondo o conjunto que representaria a segunda premissa.
Do ponto de
vista do planejamento gráfico da peça, Eduardo Refkalefsky, no trabalho Bill
Bernbach: o criador do posicionamento, apresentado durante no XXII Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, frisa mais uma inovação: “o texto não
era blocado, tinha a margem direita irregular, e um tipo simples, sem serifa”.
A repercussão a
favor do Fusca é conhecida. O design simples, porém, marcante, transformou-se
em um símbolo da contracultura e ganhou a adesão até mesmo de ecologistas,
atraídos pelo apelo do baixo consumo de combustível. Nem todos atribuem a
amplitude do sucesso à propaganda da DDB, conforme faz saber Eduardo
Refkalefsky: “Para o jornalista Randall Rothenberg (...), o carro já estava em
ascensão, mesmo sem propaganda, grandes compras e com apenas 400 revendedores”.
A esse despeito,
Felipe Turlão frisa que “Think small” foi agraciada como a campanha mais
influente da história da publicidade mundial pela Advertising Age; Bernbach, como
a personalidade mais influente do século no mercado publicitário. Já o Fusca,
protagonizou filmes e foi requisitado por um presidente da república no Brasil.
Não resta dúvidas. A áurea do carrinho alemão o alçou a ícone pop.
Texto traduzido
da peça publicitária “Think Small”
Extraído do
livro Propaganda popular brasileira, de Guilherme Azevedo. (São Paulo: editora
Senac São Paulo, 2010)
Pense pequeno
Nosso carrinho
já não é mais tanta novidade assim. Duas dúzias de colegiais não tentam se
espremer dentro dele. O cara do posto de gasolina não pergunta onde a gasolina
vai. Ninguém nem mesmo fica olhando fixamente para a nossa forma.
De fato, algumas
pessoas que dirigem nosso automovelzinho nem mesmo pensam que 32 milhas por
galão é grande coisa. Ou usar cinco pints de óleo em vez de cinco quartos. Ou
nunca precisar de anticongelamento. Ou rodar mais de 40 mil milhas com um jogo
de pneus. É porque, uma vez que você se habitua a nossas economias, você nem
mesmo pensa mais sobre elas... Exceto quando você se aperta numa pequena vaga
de estacionamento. Ou renova seu pequeno seguro. Ou paga uma conta pequena de
conserto. Ou negocia seu velho VW por um novo. Pense bem.
Tiago Eloy
Zaidan é jornalista e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do
Instituto Federal da Paraíba – campus João Pessoa.
SCHMITT, B;
SIMONSON, A. A estética do marketing. São Paulo: Nobel, 2002.
ATKIN, D. O
culto às marcas: quando os clientes se tornam verdadeiros adeptos. São Paulo:
Cultrix, 2007.
TURLÃO, F. O
centenário de Bill Bernbach. Meio e Mensagem. 12 de ago. de 2011. Disponível
em: http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/noticias/2011/08/12/20110811O-centenario-de-Bill-Bernbach.html.
Acesso em 15 de jul. de 2013.
BELCH, G; BELCH,
M. Propaganda e promoção: uma perspectiva da comunicação integrada de
marketing. São Paulo: McGraw-Hill, 2008.
GRACIOSO, F.
Propaganda institucional: nova arma estratégica da empresa. São Paulo: Atlas,
2006.
REFKALEFSKY, E.
Bill Bernbach: o criador do posicionamento. Anais do XXII Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 1999. P. 6.
AZEVEDO,
Guilherme. Propaganda popular brasileira. São Paulo: editora Senac São Paulo,
2010.
E até os dias de hoje é um dos carros mais conhecidos, virou um clássico.
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