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Mesmo as cidades de médio porte estão afundadas em mensagens midiatizadas que, diante da grande concorrência pela atenção dos receptores, utilizam recursos de engajamento. O outdoor da esquina clama por uma breve olhada do transeunte, ao passo em que o carro de som, que transita pela esquina simultaneamente, literalmente berra, exigindo um pouco da atenção auditiva. A atenção do indivíduo tornou-se uma mercadoria para a publicidade, mercadoria cara. E, para obtê-la, a persuasão da retórica, hoje industrializada pela mídia, é utilizada.
Eloy Zaidan
Uma premissa básica no estudo da retórica em uma sociedade midiatizada é o reconhecimento do estágio de liberdade ou de pluralidade de pensamento instaurado na paisagem social escolhida para objeto de estudo. A explicação é simples. Grosso modo, o uso da persuasão só é necessário em locais onde o target possui a liberdade de escolher. Caso contrário, com a ausência de liberdade, a retórica, que essencialmente é persuasão, não precisa ser lançada, afinal, supõe-se, a aceitação da ideia ou a atenção já foi obtida à força.
No quesito pluralidade, a justificativa é igualmente simples. Se o orador ou escritor precisa lançar mão da retórica é porque, certamente, o receptor pensa de modo diferente. Caso contrário, quando ambos – emissor e receptor – pensam da mesma forma, o artifício da persuasão é desnecessário.
O cidadão que transita pela esquina não é, em tese, obrigado a ouvir o carro de som, nem a ver o outdoor. Também, a princípio, não é obrigado a concordar com as mensagens emitidas. É aí que a retórica publicitária faz a sua parte, ao menos assim esperam os anunciantes.
Segundo a linha de raciocínio de Karl Popper, nas ciências humanas, a livre e aberta discussão soam necessárias à medida que, em se tratando de opiniões, não há verdade conclusiva. Da mesma forma, completa o filósofo austríaco, não há exercício político de governo que seja idealmente conclusivo a ponto de justificar a proibição de pensamentos opostos e teorias alternativas.
A liberdade de contestação é imprescindível e, por isso, a retórica deve estar presente em regimes democráticos. Seja no discurso de um político, na exposição de um acadêmico, ou na mensagem – por vezes desesperada – de um outdoor ou carros de som, entre outros recursos de propaganda.
Contudo, há retóricas e retóricas. Nem todas as investidas de persuasão são bem-sucedidas, conseguindo apenas a audiência do target, mas não o seu engajamento. Essa é uma característica natural em interlocuções democráticas. No entanto, a despeito da “sociedade aberta” de Popper e da liberdade de contestação, pressuposta em sociedades que se valem da retórica, o discurso da mídia costuma ser acachapante, não só em seu apelo (“eu mostro o mundo exatamente como ele é”), como também em suas refrações transmitidas (“o mundo é assim”). De forma geral, em uma sociedade midiatizada – como a nossa –, os indivíduos “escolhem” por deixar o seu livre arbítrio – atributo que cerca a retórica – de lado, aceitando muito do que veem ou ouvem como sendo estritamente verdadeiro.
Todavia, o poder de persuasão de um cidadão comum não é o mesmo do telejornal do horário nobre. Se na década de 1960 um cidadão reunisse um grupo de pessoas e bradasse, em praça pública, que dois homens pisaram na lua, seguramente não causaria a mesma sensação que a mídia quando, com imagens toscas e um discurso estridente e repetitivo, anunciou como históricos os passos de Aldrin e Armstrong na Lua. Sobre o assunto, Silverstone (2002, p.69), em Por que estudar a mídia?, reflete: “Como sabíamos que o que estávamos vendo na TV estava realmente acontecendo e não sendo encenado num terreno baldio em algum ponto de Hollywood ou da Flórida?”.
Mais adiante o professor inglês arremata, “Fomos levados a acreditar em algo de que não temos nenhuma prova independente” (SILVERSTONE, 2002, p.69). Não estamos julgando aqui a veracidade do episódio viagem à Lua. A intenção é refletir, a despeito da pegada de Armstrong no satélite natural da Terra, como a mídia nos faz acreditar tão rápido em algo tão novo e peculiar.
Tal reflexão parece ser bem complexa, entretanto, o próprio Silverstone fornece boas pistas. Para persuadir alguém de algo novo, já diziam os antigos retóricos, deve-se utilizar como base elementos comuns à audiência, que a faça se identificar tal qual como nas telenovelas, onde o telespectador se posiciona como um dos personagens. A forma mais eficiente de causar uma aquiescência em um público vasto e heterogêneo é valendo-se do senso-comum, dos lugares-comuns, dos clichês e dos estereótipos. Com base neles, faz-se um indivíduo conservador acreditar em algo aparentemente novo, e, por isso, achar-se um progressista.
Nos dias de hoje, tal recurso, de conectar as recentes criações com o familiar da audiência, e fazê-la crer no novo, é bastante utilizada, a despeito das viagens a Lua terem caído no ostracismo – junto com a queda da União Soviética.
Emissoras com discursos “revolucionários” fazem indivíduos
acreditarem que estão compartilhando de um conteúdo progressista, quando, na
realidade mantém-se calcado em bases retrógradas ou estáticas. No Brasil e no
mundo, o bloco vitorioso da retórica midiática está permeado por estrepitosa
parcela de telespectadores convencidos de que são vanguardistas, por assistirem
a vinhetas irreverentes e audiovisuais pretensamente insurrecionais.
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