O limiar da brincadeira e da alienação

Imagem de Jo-B por Pixabay

Manipulando objetos, aparentemente sem nenhuma pretensão, a criança explora o mundo a sua volta. Mesmo finda a fase infanto-juvenil, a brincadeira não se esvai. Ao contrário. O ato de brincar continua presente na realidade adulta e com funções ainda complexas. Brincando, seja no carnaval de rua ou jogando futebol, auto-exploramos-nos e também o fazemos com a sociedade onde estamos inseridos.

Eloy Zaidan

Tratam-se de momentos de escapamento. De uma espécie inofensiva – quando dentro dos limites de tolerância da sociedade e do Estado – de desabafo sobre a vida desencantada e cotidiana, repleta de regulamentos e punições. Por meio de tais momentos lúdicos é permitido transcender o dia a dia, zombando e/ou parodiando o que fazemos em momentos “normais” os quais, provavelmente, voltaremos a protagonizar no dia seguinte: a nossa função social, em uma sociedade marcada pela sofisticação normativa.

No carnaval, por exemplo, um operário pode expor a realidade em que vive de modo inverso; realidade a qual, na condição habitual, pouco o ouve e, talvez, não tenha sequer conhecimento de sua existência.

Muito provavelmente por esses motivos a brincadeira sempre foi um dos pontos fortes das classes populares, certamente a camada que mais sofre imposições, seja dos patrões, do Estado, ou da religião. Todavia, conforme bem frisa o pensador britânico Roger Silverstone, em seu Por que estudar a mídia?, as classes sociais abastadas também se valem de brincadeiras, muitas delas, inclusive, originárias das classes populares, impagáveis especialistas no assunto.

Entretanto, não é somente em avenidas, estádios e clubes que encontramos a prática da brincadeira. Na sociedade midiatizada em que vivemos podemos assistir ao carnaval ou ao jogo de futebol na poltrona da sala de estar. O arsenal eletrônico é vasto: jogos de computador, internet, loterias eletrônicas, televisão e muitos outros meios. Aliás, grande parte dos índices de audiência dos meios de comunicação de massa são oriundos das brincadeiras “virtuais”, que nos “divertem” ao passo em que nos garantem uma familiar segurança, advindo de seus clichês e riscos limitados.

Quando assistimos a uma novela, e nos identificamos com um personagem, em tese, mantemo-nos imunes a perder algo na vida real (além de tempo), mesmo se o “mocinho” se der mal na trama. E convenhamos, o protagonista raramente termina o folhetim como o perdedor. E, com a vitória do personagem, sublimamos qualquer realidade desagradável.

Contudo, a despeito dos argumentos dos positivistas e neopositivistas da comunicação, a brincadeira fornecida pela indústria cultural, com suas estandartizadas e repetitivas fórmulas, abstrai na medida que exerce um controle psicológico; faz esquecer o que não deve ser esquecido e, finalmente, possibilita uma fuga, “não como se pretende, fuga da feia realidade, mas da última ideia de resistência que a realidade pode ainda ter deixado” (HORKHEIMER e ADORNO, 1947, p.156 apud WOLF 1987, p.87).

Nestas circunstâncias, agregam-se maiores doses de complexidade à brincadeira, pois já não temos certeza se estamos brincando ou se, na verdade, somos apenas o brinquedo.

Leitura recomendada: Teorias da comunicação, de Mauro Wolf (1987).

 

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