São diversos os níveis de segmentação do marketing. O marketing local, por exemplo, volta-se para os consumidores locais. Justamente para alcançar um público regionalizado, este segmento de marketing não perde de vista as variáveis ambientais, culturais, econômicas e políticas da localidade.
Eloy Zaidan
Como estratégia para fidelizar segmentos de mercado, elementos simbólicos têm sido empregados, com o objetivo de contribuir com a adequação das formas discursivas – inclusive imagéticas – ao universo cultural dos receptores pretendidos.
Por outro lado, no composto de marketing, os projetos culturais - como o patrocínio de apresentações folclóricas, musicais ou exposições - possuem notável potencial para “minar” a resistência dos targets, na medida em que dialogam com a dimensão emocional dos receptores, em detrimento da dimensão racional.
Ao considerar tais premissas, aliadas a bases teóricas da Folkcomunicação, o pesquisador e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Severino Alves de Lucena Filho, desenvolveu o conceito de Folkmarketing.
A teoria da Folkcomunicação está relacionada à comunicação em âmbito popular, valorizando o folclore enquanto uma espécie de canal de comunicação coletivo por meio do qual a massa se comunica. Trata-se do estudo dos procedimentos comunicacionais por meio do qual a cultura popular é influenciada ou apropriada e modificada pela comunicação massificada.
Passível de ser utilizado nos mercados regionais, o folkmarketing tem como característica “(...) a apropriação das expressões simbólicas da cultura popular, no seu processo constitutivo, por parte das instituições públicas e privadas, com objetivos mercadológico e institucional” (LUCENA FILHO, 2012, p. 35).
A expressão apareceu pela primeira vez no livro Azulão do Bandepe: uma estratégia de comunicação organizacional, de 1998, de autoria do próprio Severino de Lucena Filho. A obra redundou da dissertação de mestrado do autor, defendida da Universidade Federal Rural de Pernambuco naquele mesmo ano. A categoria voltou a ser aplicada anos mais tarde, na tese de doutorado do pesquisador, desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desta vez com foco na Festa Junina de Campina Grande (PB).
Em Festas Juninas em Portugal: marcas culturais no contexto do folkmarketing, fruto do pós-doutoramento na Universidade portuguesa de Aveiro, Lucena Filho investiga a apropriação, de cunho mercadológico e institucional, por organizações públicas e privadas, dos elementos do universo simbólico das Festas dos Santos Populares em Portugal. O estudo de campo da pesquisa foi realizado no período entre 10 a 30 de junho de 2009, nas cidades portuguesas de Lisboa, Porto e Póvoa do Varzim.
Festas
No contexto do capitalismo, as festão são, além de espaços lúdicos, vitrines econômicas. Roberto Benjamin (2004, p.132 Apud LUCENA FILHO, 2012, p. 21) distingue as festas públicas das privadas. Estas últimas ocorreriam no seio das famílias e das pequenas comunidades, e têm como exemplos clássicos os batizados, os casamentos e aniversários.
Já as festas públicas são divididas em institucionalizadas e espontâneas. As festas institucionalizadas são engendradas por iniciativa de uma instituição, como a Igreja, e, como tal, têm seus ritos normatizados. Em muitas oportunidades, tais festejos acabam abraçados pelo povo, tornando-se folclóricas. As espontâneas, “(...) compreendem tanto os festejos folclóricos tradicionais, como as comemorações públicas de parcelas da população urbana, como as comemorações de vitórias esportivas (...)” (LUCENA FILHO, 2012, p. 21), e podem ser institucionalizadas por meio da cooptação em advocacia de interesses políticos, religiosos e econômicos.
Para Severino Lucena Filho, as festas do ciclo junino não se enquadram somente em uma das categorias acima, por serem plurais. O ciclo junino é composto pelas festas em louvação a três santos populares da Igreja Católica: o português Santo Antônio (13 de junho), São João Batista (24 de junho) e São Pedro (29 de junho).
Em Lisboa, a noite em comemoração a Santo Antônio testemunha arraiais oficiais e espontâneos, embalados por músicas, comidas e bebidas típicas e adornos inerentes ao festejo, como bandeirolas, balões coloridos e artigos de inspiração religiosa, como altares em homenagem ao celebrado. O ponto alto, entretanto, reside nas Marchas Populares de Santo Antônio. Trata-se de uma competição interbairros que reúne coreógrafos, figurinistas e músicos, os quais se misturam em desfile aos populares oriundos dos bairros representados. A avaliação das apresentações é feita por um júri definido pela organização do evento.
Consta que o concurso das Marchas Populares surgiu em 1932, a partir da promoção de dois veículos de comunicação. O evento foi organizado nos anos subsequentes, e, em 1935, sob gestão e patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa, foi dotado de regras fixas. A partir de 1957, as Marchas passaram a ser mediatizadas pela emissora pública RTP – Rádio e Televisão de Portugal (LUCENA FILHO, 2012, p. 63).
Na cidade do Porto, ao longo dos séculos, a tradicional festa de São João se converteu em um evento oficial, recebedora de atenção político-administrativa. A programação, de responsabilidade da Câmara Municipal do Porto, é extensa e inclui festival de fogueiras, festival e desfile de marchas de São João, sessão de fogos de artifícios, exposição de flores, desfile de fanfarras, concurso gastronômico e lançamento de balões. As atrações são dispostas de forma descentralizada pela cidade.
Por sua vez, a comemoração em louvor a São Pedro, em Póvoa do Varzim, ocorre entre os dias 24 de junho e 5 de julho. A festa, retomada em 1962 pela Comissão Municipal de Turismo, remonta a uma tradição das comunidades de pescadores a qual durou até o final do século XIX. A população local vive a festa intensamente, adornando as varandas de suas casas com artigos referentes ao ofício da pesca, como redes, miniaturas de barcos e boias, além da imagem do santo festejado, padroeiro dos pescadores. Comidas e bebidas típicas também são símbolos importantes da festa, a qual conta ainda com desfiles de marchas.
Folkmarketing
nas festas juninas em Portugal
Segundo constatou o professor da UFPB, em sua pesquisa de campo na cidade de Lisboa, a apropriação de símbolos referentes aos festejos de Santo Antônio - balões coloridos, altares adornados e jarros de manjericos - permeavam vitrines de livrarias, bares, restaurantes e imobiliárias, enquanto ação de comunicação organizacional, “(...) mobilizando vários sentidos no contexto cultural luso, com destaque para o de pertencimento e reforço da identidade cultural” (LUCENA FILHO, 2012, p. 71).
E não apenas o comércio local se valeu do universo simbólico do ciclo junino lisboeta como estratégia de folkmarketing. Grandes marcas atuaram como parceiras do evento: Super Bock (cerveja), Unilever, Nestlé, Chevrolet, dentre outras.
A Super Bock, por exemplo, apropriou-se do universo simbólico das festas dos santos populares em suas peças de divulgação durante as comemorações. E uma das ações, adornou carros de distribuição dos produtos da marca com um painel que fazia referência à tradição casamenteira de Santo Antônio. Na propaganda, duas garrafas da cerveja apareciam “fantasiadas” como um casal de noivos, acompanhadas da seguinte mensagem: “Noivas de Santo Antônio, Super Bock a cerveja oficial das festas de Lisboa” (LUCENA FILHO, 2012, p. 101).
Outro elemento utilizado pela Super Bock no contexto do folkmarketing foi o jarro de manjerico, espécie de planta aromática que se costuma oferecer aos amigos “(...) em regra com um sentido difuso de dedicatória amorosa” (LUCENA FILHO, 2012, p.102). Este símbolo foi utilizado de forma estilizada enquanto recurso imagético de uma peça que trazia consigo a programação das Marchas Populares, distribuída aos partícipes presentes na Avenida da Liberdade.
As empresas de bebidas e comidas engendraram, da mesma forma, performances comunicacionais e mercadológicas em barracas espalhadas pela capital portuguesa.
Nos festejos de São João da cidade do Porto, um dos símbolos mais utilizados no contexto do folkmarketing foram os martelos coloridos de plástico. Consta que este item tem sido adotado em substituição ao alho-porro, planta utilizada para bater na cabeça das pessoas como forma de se desejar bons auspícios. Um exemplo da figuração do martelo, na função de protagonista do processo comunicacional imagético no composto da comunicação organizacional, foi identificado pelo pesquisador nos bilhetes da 25ª extração da Loteria – edição de São João –, sob responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia.
No bojo da comunicação institucional, símbolos do festejo - como o alho-porro, as sardinhas, os martelos de plástico, os vasos de manjericos, as bandeirolas e as quadras juninas - fizeram-se presentes na revista com a programação da festa, editada pela Câmara Municipal do Porto. Tais símbolos também adornaram vitrines de empresas públicas e privadas portuenses.
Na festa de São Pedro, em Póvoa do Varzim, merece destaque a iniciativa mercadológica dos empresários ligados a uma Associação Comercial da região central da cidade, mais especificamente da tradicional rua da Junqueira e adjacências. As vitrines dos estabelecimentos comerciais foram adornadas com quadrinhas – espécies de rimas – alusivas às comemorações de São Pedro.
A ação “(...) respaldou-se em apropriações dos canais, mensagens e códigos da comunicação popular tradicional (...)” (LUCENA FILHO, 2012, p.117), e trazia rimas como “São Pedro do paraíso falou da sua cadeira: amigos tenham juízo façam compras na Junqueira” e “Não há amor como primeiro. Não há mulher como a tua. Nem amigo do dinheiro como o comércio de rua” (LUCENA FILHO, 2012, p. 118).
A gastronomia popular, inerente a determinadas comemorações, consiste, da mesma forma, em símbolo do universo cultural. A adaptação dos menus dos restaurantes e hotéis ou a incorporação por estes da culinária típica dos festejos juninos também são apontadas por Lucena Filho como ações de folkmarketing na conjuntura do ciclo dos santos populares de Portugal.
O setor informal, por seu turno, obtém soldos no contexto do folkmarkting, seja negociando símbolos culturais emblemáticos, como os vasos de manjerico ou os martelos de plástico, seja utilizando-os para chamar a atenção dos consumidores.
E o autor vai além: as próprias festas – ainda que de origem popular – insertas na economia de mercado, “(...) tornam-se objeto de consumo, como qualquer outro exposto no mundo das trocas. Como objeto simbólico de consumo, é empacotado, midiatizado e mercadologicamente integra o composto de marketing como uma ação do folkmarketing” (LUCENA FILHO, 2012, p. 141).
Relevância da
obra
Festas Juninas em Portugal: marcas culturais no contexto do folkmarketing, desenvolvido por um pesquisador originário do campo das relações públicas, traz relevantes contribuições ao marketing.
Muito já se discorreu sobre a pertinência, no contexto do marketing, da adequação dos discursos aos públicos receptores, especialmente ao universo cultural destes. Por outro lado, ao explorar aspectos da cultura no bojo dos esforços de marketing, dialoga-se com a dimensão emocional dos receptores, o qual – ao contrário da dimensão racional, tende a estar menos sujeita a resistências.
A investigação de Lucena Filho conjuga exatamente estes dois prismas, ao tratar da apropriação do folclore e da cultura popular locais no contexto das mensagens mercadológicas e institucionais. Pode-se dizer que a grande contribuição da obra, para além da sistematização do conceito de folkmarketing – exercício ao qual o autor já havia se dedicado em estudos anteriores – é o exame das categorias teóricas a partir de um estudo de caso encetado no clímax do amadurecimento do professor da UFPB enquanto pesquisador.
Neste sentido, as festas juninas em Portugal funcionam como verdadeiros laboratórios sociais. Estas permitiram constatar que os elementos de folkmarketing foram utilizados não apenas por empresas privadas, dos setores secundários e terciários, especialmente o comércio, como, ainda, pelo setor público, no contexto da promoção dos próprios festejos juninos – enquanto atração turística – e do reforço da identidade da própria cidade.
Destaque para o uso do folkmarketing por empresas multinacionais, a exemplo da anglo-holandesa Unilever e da suíça Nestlé, as quais, mencionadas pelo autor, valem-se de elementos pertencentes à identidade cultural local para se inserirem no espectro das opções cotidianas e familiares dos natalícios, dialogando diretamente com os seus microuniversos.
Lucena Filho constatou também a obtenção de soldos, com o folkmarketing, pelo setor informal, mais especificamente através da negociação de símbolos culturais emblemáticos relativos às festas juninas, ou apenas utilizando-as para chamar a atenção dos prospects. O mesmo pode-se dizer da gastronomia popular típica do período, a qual, adaptada nos menus dos restaurantes e hotéis, não apenas foram comercializadas, como funcionaram, por si sós, como chamariz.
Justificativas não faltam para um empreendimento considerar o folkmarketing como parte das ferramentas de comunicação. A começar pela já clássica assertiva segundo a qual o desenvolvimento tecnológico e a ampliação do conhecimento sobre os consumidores redundaram em uma crescente padronização dos produtos e serviços oferecidos, tornando-os cada vez mais indistintos aos olhos dos clientes.
A soma de elementos da cultura popular e do folclore seria, ainda, uma forma eficiente de se transmitir mensagens de interesse de uma organização. Isto, na medida em que, em meio à saturação das formas tradicionais de comunicação, componentes afetivos – como o são aqueles os quais remetem às tradições locais – possuem maior chance de superar a percepção seletiva das audiências. Os receptores estão cada vez mais saturados de mensagens comerciais convencionais, as quais, não raro, são bastante uniformes.
Do ponto de vista do campo da Administração e do Marketing, em lugar de se apresentar como uma obra de cunho técnico, Festas Juninas em Portugal consiste em uma contribuição de cunho teórico, e um convite a reflexão a respeito da importância da valorização de elementos do universo cultural local, sobremaneira do folclore, nas composições das mensagens organizacionais. Trata-se de uma discussão não exatamente nova, mas em evidência, em um contexto de propugnação do diálogo entre o global e o local.
Leitura recomendada:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui o seu comentário.
Sua mensagem é muito bem-vinda!